sexta-feira, 12 de junho de 2009

“Garapa”– o que fazer para mudar essa realidade

Essa semana chegou em minhas mãos um exemplar da revista Brasileiros desse mês, na minha opinião uma das melhores revistas de reportagem do Brasil. Ali se encontram histórias que acredito, mereçam ser contadas.

Este exemplar tem um sabor especial, pois para meu deleite a matéria de capa é com nada menos que o premiado diretor José Padilha e, o que é melhor, escrito por um dos mais prestigiados repórteres brasileiros, Ricardo Kotscho, que acompanhou o diretor até a cidade de Choró, no interior do Ceará. O local foi palco de “Garapa”, o novo filme de Padilha que estreou faz poucos dias nos cinemas de São Paulo. O filme fala da fome, e tem como protagonistas quatro famílias da cidadezinha cearense.

Não assisti ao filme ainda, Mas sei do que se trata. Também sei da repercussão que está causando por conta do seu conteúdo.

Outro dia li uma entrevista com o diretor na Carta Capital, onde o repórter indaga o autor sobre suas reais intenções em fazer esse filme e a ideia de doar todo dinheiro arrecadado na bilheteria para as famílias que participaram do trabalho, uma vez que o filme até agora não deu um bom retorno.

Eu não entendo, queria entender, mas não vejo como. Essas pessoas todas que se dizem jornalistas, sempre procurando abordar o tema da mesma forma. Com tantas coisas pra perguntar, como por exemplo: Como estão essas pessoas hoje? Como viviam antes? Têm parentes nas mesmas situação? O que o cara quer saber é se o diretor está a fim de se promover (foi o que senti no questionamento).

A fome, como o mundo todo está velho de saber, é a principal fonte de tudo que existe de mais temível no ser humano. Por causa dela se mata, se morre, proliferam-se as doenças, enfim. A fome, na maioria das vezes é consequência da miséria provocada principalmente pelo descaso, pela irresponsabilidade, pelo egoismo, pela falta de humanismo, entre outras pestes que destroem o caráter e a civilidade humana.

A matéria, muito bem escrita do Kotscho, vai direto no ponto. Ele, junto com o fotografo Manoel Marques, Padilha com a esposa e filho, viajaram até Choró, exatamente para saber como estão as famílias que o diretor conheceu na época das filmagens.

Dias antes, na pré-estréia do longa em uma sala no prédio da Folha de São Paulo, ele ouviu de um senhor que saiu no meio do filme: “Eu não sou obrigado a ver este filme. Ainda bem que não tive que pagar ingresso. Quem é obrigado a ver esse filme são os governantes, eu não tenho nada a ver com isso”.

Quando soube disso fiquei um pouco decepcionado. Como assim não tem nada a ver com isso? Quer dizer que não é problema seu? Não se importa? Não vai fazer nada? Não tem que fazer nada?

O caso do senhor acima não é um fato isolado, assim como ele, muitas centenas de milhares de pessoas no mundo tem o mesmo pensamento. Isso é horrível. Cadê o sentimento humanitário? Tudo bem que os governantes têm uma parcela maior que as pessoas comuns. Mas nós temos nossa parcela de culpa sim.

É claro que é problema nosso, claro que somos responsáveis, afinal somos nós que elegemos os governantes. As pessoas que passam fome no mundo também são seres humanos, e merecem nossa ajuda de alguma forma. Não necessariamente com dinheiro, há outras maneiras de se fazer isso. Por exemplo exigindo de nossos representantes mais atenção com esse tema. Podemos também sugerir propostas de mudanças em programas sociais do governo, podemos ser voluntários em ações que visam diminuir essa situação...

Conheço de perto a realidade mostrada por Padilha em “Garapa”. Sou cearense assim como os personagens do filme e já vi muitas pessoas passarem pelas mesmas dificuldades que eles. Em algumas situações tentei ajudar como podia, em outras não tinha muito o que fazer, exatamente por encontrar obstáculos provocados por pessoas com o mesmo pensamento do senhor que citei lá atrás e que não viam o problema como sendo deles.

Quando ouço pessoas falando que não tem nada a ver com essas coisas, fica mais claro pra mim que a situação não é só de administração pública ou alimentar e sim uma questão cultural, a humanidade se acostumou com a miséria. A maioria acha normal pessoas morando nas ruas, passando fome. Para muitos são comuns as guerras, a corrupção, entre outra mazelas mundiais.

O que Padilha, está fazendo é trazer esse debate para as ruas, para o cidadão comum que se importa, sem a hipocrisia da maioria dos políticos, de alguns religiosos, e de boa parte da sociedade em geral. O que ele faz é mostrar uma realidade de uma forma mais crua, direta. Está pelo menos provocando o debate. E nós, qual nosso papel nesse contexto?

Muito se houve falar em Deus, em responsabilidade social, ética, amor ao próximo (só se for bem próximo mesmo). Especialistas vivem no mundo das idéias e sempre tem soluções para tudo, sempre na teoria. Mas nem sempre a teoria condiz com a prática. Falar muitos falam, mas quantos saem de suas poltronas em seus apartamentos confortáveis e vão ver o problema de perto, conversar com personagens reais dessas novelas fictícia criadas por eles.

Programas sociais como o Bolsa Família do governo federal pode até ajudar, mas num primeiro momento. Agora a longo prazo é preciso muito mais. É preciso uma ampliação desses programas, a criação de novas maneiras de conseguir recursos, trabalhar mais no desenvolvimento agrário, maior investimento na saúde, na educação, incentivo ao pequeno produtor, enfim. Estou falando só nas regões mais afastadas dos grandes centros, uma vez que cada região do país tem sua realidade própria.

O que precisamos são de mais Josés Padilhas, com mais provocações, precisamos debater mais abertamente essas questões, envolver as pessoas ligadas diretamente à esses problemas, e juntos buscar soluções aceitáveis e concretas.

O Próprio diretor já está trabalhando nesse sentido. Outro projeto seu está a caminho. “Nunca antes na História deste País”, trata da corrupção que envolve os políticos. Segundo ele, será uma espécie de teoria geral, para as outras realidades já filmadas por ele. O filme explicaria por que essas realidades acontecem.


Aglécio Dias

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostaria de saber como estão essas famílias hoje. Jamais vopu ser contra programas de assistência.