Por Alberto Dines em 22/9/2008
Comentário para o programa radiofônico do OI, 22/9/2008
Fonte: Observatório da Imprensa
O comportamento da nossa mídia na sexta-feira (19/9) serviu para mostrar o papel dos meios de comunicação na fabricação das bolhas. Depois da devastação iniciada seis dias antes, como se nada tivesse acontecido, um conjunto de decisões paliativas dos principais bancos centrais, inclusive o nosso, elevaram as cotações das bolsas a níveis extraordinários.
A disparada felizmente aconteceu na véspera do último fim de semana que, desta vez, funcionou como um moderador de delírios. Ficou evidente que a rearrumação do sistema financeiro foi pontual, pode até manter-se nos próximos dias, mas será incapaz de reconstruir – ou pelo menos maquiar – os tremendos danos causados ao sistema financeiro internacional pela crise hipotecária americana.
Os mercados estão mais sensíveis aos efeitos danosos das euforias anteriores, não só admitem mas imploram mais regulação e mais fiscalização. A mídia, porém, terá que aprender a viver com os pés na realidade, precisará vacinar-se contra as ilusões de prosperidade instantânea e contra a exaltação produzida por interesses corporativos nem sempre legítimos. Doravante uma das missões dos meios de comunicação será a de furar bolhas. Mesmo que isto desagrade aos anunciantes do mercado financeiro.
Para continuar como defensora do interesse público, a imprensa deverá municiar-se de um estoque de baldes de água para esfriar a cabeça dos delirantes. Se aderir à irresponsabilidade, pode até ganhar alguns bônus, mas ficará com o ônus do apocalipse.
Valores particulares
A imprensa periódica surgiu e se desenvolveu há cerca de 400 anos graças à sua capacidade de funcionar como fiscal e como alarme. Tornou-se indispensável porque é confiável, é confiável porque consegue (ou conseguia) ser razoavelmente autônoma dentro do Estado de Direito.
Ao assumir o papel de irrestrita aliciadora de entusiasmos, a imprensa abdica do seu papel crítico. No caso dos surtos do mercado financeiro, a imprensa não pode favorecer a exuberância irracional, mesmo sob o pretexto "social" de distribuir otimismo ao seu público.
A bolsa de Nova York opera sob a égide de dois totens: o urso molenga, cauteloso e o touro bravio, símbolo do empenho e do otimismo, valorizado com uma estátua. Esta é uma polarização calcada em valores particulares. A mídia não tem obrigação de venerar o touro tal como fazem os operadores do mercado financeiro. A mídia deve saber que em suas loucas arremetidas o touro nada enxerga.
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