A tarefa da mídia parece ser separar o povo do povo. De um lado, as nossas ideias, do outro, os vândalos
por
Nirlando Beirão
Dá
para notar que os protestos de rua estão perdendo a mística, o encanto, para
quem está do lado de lá deles – digo, a mídia oligárquica e, por extensão,
aquela facção ameba, mais influenciável, da chamada opinião pública. Mais do
que perder o fascínio, as manifestações começam a provocar descrença e
irritação, como se a explosão espontânea e legítima das massas estivesse sendo
agora apropriada por uns grupelhos descabelados de radicais e arruaceiros.
Não
tenho mais idade para me regozijar com cenas de depredação, mas me irrita a
hipocrisia dos que aplaudiam antes e agora criticam. Tenho até um pequeno,
descompromissado palpite, a respeito desse divórcio que se deu entre o momento
em que o protesto era uma beleza e o momento em que o protesto passou a ser um
horror. Nada melhor, aliás, para balizar essa reviravolta, do que a cobertura,
sempre tão isenta, sempre tão imparcial, do jornalismo eletromagnético da Globo
e a dos dinossauros de papel.
Meu
palpite me diz: enquanto a raiva se voltava contra o governo e os governantes,
“essa infâmia de políticos corruptos”, “a dona Dilma”, “a turma do mensalão”,
aí o partido da mídia se deliciava. As multidões ululantes vociferavam,
justificadamente, contra a péssima qualidade dos serviços públicos, primeiro os
transportes, depois a saúde, e a educação, e a segurança, e tudo o mais, se é
por aí, ok, perfeito, abaixo os podres poderes, o Estado é o mal maior.
De
repente, a agenda parece ter se ampliado. Se é para discutir a indigente
situação dos serviços públicos no Brasil, por que não se ocupar tambêm da
sofrível – para dizer o mínimo – prestação de serviços privados?
Existe
tão grande diferença assim entre o malfalado SUS e certos hospitais
particulares onde o paciente é obrigado a pagar fortunas?
As
universidades particulares, com suas mensalidades que pesam uma tonelada no
bolso, são exemplos da excelência pedagógica de Harvard e de Cambridge?
E
os serviços de telefonia, fixa e móvel?
E
as filas dos bancos, aquilo lá é um exemplo de respeito ao cidadão?
E
as companhias aéreas, com seu sistemático desrespeito ao viajante, sem falar
dos golpezinhos que costumam dar em seus sites de contravenção?
Penso
na indústria nacional, obsoleta, atrasada, sem nenhuma musculatura física ou
criatividade mental para competir no mundo, indústria cujos produtos são um
lixo (ressalvo os aviões da Embraer e as sandálias havaianas), incapaz de
inovar tecnologicamente (que inveja da Coreia!), sempre queixosa, abúlica,
pondo da culpa nos impostos e na infraestrutura.
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