A legislação não resolve o problema de
violência doméstica, mas dá meios para a mulher conseguir seguir a vida longe
do agressor.
por Nádia Lapa
Maria da Penha durante solenidade no Palácio do Planalto, este ano |
Há algumas semanas eu participei de um debate sobre feminismo para não
feministas. Um dos momentos mais difíceis para mim foi quando um dos homens da
plateia alegou que a Lei Maria da Penha tinha sido impulsionada pela existência
de um personagem agressor da novela das oito.
Fiquei indignada. Verdadeiramente indignada. Era como se ele estivesse
tentando apagar a história de vida de uma mulher fortíssima, exemplo para todas
nós, e que batalhou por nossa integridade física, psicológica, sexual. Na
cabeça daquele rapaz, era mais razoável "colocar na conta" de um personagem
ficcional, homem, a existência de uma lei que mudou a vida de incontáveis
mulheres, do que deixar os louros a quem de direito: Maria da Penha, mulher,
cearense, lutadora.
Hoje, 7 de agosto, é aniversário de sete anos da lei batizada com o nome
desta mulher incrível. Maria da Penha foi brutalmente violada por seu
ex-companheiro, ficando paraplégica em razão da agressão. No ordenamento
jurídico brasileiro, leis não retroagem para dar punição mais pesada ao
criminoso; mesmo assim, Maria da Penha se engajou na criação da Lei
11.340/2006.
Seu trabalho não foi em vão, longe disso. Segundo pesquisa do Instituto
Patrícia Galvão divulgada essa semana, 98% das pessoas conhecem a lei. O número
é excelente, mas há dois anos outra pesquisa, do Instituto Avon/Ipsos, indicava
que só 13% dos entrevistados conheciam bem a lei.
Um dos argumentos mais absurdos sobre a Lei Maria da Penha é que ela
cria uma diferença entre homens e mulheres, como se tal diferença já não
existisse no mundo real. Ou você imagina que um homem responderia "em
casa" à pergunta "onde você se sente mais inseguro?". Pois essa
foi a resposta de metade dos entrevistados da pesquisa Percepção da sociedade sobre
violência e assassinato de mulheres.
Em casa.
A mulher literalmente vive ao lado do seu agressor. "Por que ela
não vai embora?", "por que ela não denuncia?", "por que ela
continua ao lado do cara?", perguntam. Como costumamos dizer em círculos
feministas, não existe "mulher que gosta de apanhar", o que existe é
mulher humilhada demais para denunciar, agredida demais para reagir,
amedrontada a ponto de temer por sua vida, empobrecida no nível de depender do
agressor para sobreviver e alimentar os próprios filhos.
A Lei Maria da Penha não resolve o problema de violência doméstica, mas
dá meios para a mulher conseguir seguir a vida longe do agressor. Não existe
fórmula mágica para apagar milênios de opressão e violência. Há muito trabalho
a ser feito, e é absurdo que somente há sete anos exista uma lei para
salvaguardar a integridade das mulheres dentro de casa, nas suas relações de
afeto e dependência.
Mas ainda bem que ela existe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário